quarta-feira, 9 de abril de 2008

Príncipe

Foto de Adriane (Olhares.com)

era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
contudo
quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
mas era de noite
e por isso tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
ah era de noite
e de súbito
tudo era apenas lábios pálpebras
intumescências cobrindo o corpo de flutuantes
volteios de palpitações trémulas adejando
pelo rosto beijava os teus olhos por dentro.
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão
sobre o meu pensamento corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me.

Ana Hatherly